Henrique Maluf
O Brasil é racista, caso Carrefour é mais um em milhares
24/11/2020, 08h:17 - Atualizado: 24/11/2020, 08h:20
Arte/Dayanne Dallicani

É muito difícil escrever sobre o racismo. A primeira perspectiva que vem a minha cabeça é o “lugar de fala”. Não sou negro e penso muito antes de falar sobre, justamente por dizer sobre algo que eu não sinto na pele, porém vejo todos os dias no noticiário que uma pessoa negra foi morta. O Brasil mata um jovem negro a cada 23 minutos, essa estatística é brutal, não consigo fingir que não vejo e simplesmente me calar.
Nos últimos 20 anos, o Brasil deu passos muito importantes nas suas políticas públicas relacionadas às minorias sociais, tais como os direitos dos negros, mulheres, LGBT, dentre outros, o que gerou grandes debates e uma sensação de que estaríamos caminhando para uma sociedade menos segregadora e preconceituosa. Começamos a debater aspectos mais profundos e delicados que possibilitariam uma real e significativa mudança no tecido social, como discutir o racismo estrutural.
O racismo estrutural é aquele mais difícil de perceber, está entranhado em nossos costumes familiares, na escola, no trabalho, no dia-a-dia. Sabe aquelas “brincadeiras” e “piadas” que sempre fazíamos? Então, elas são as responsáveis por esse tipo de racismo, que posso dizer que é tão danoso quanto um xingamento ou agressão, pois não vemos “maldade” nessas antigas práticas, porém elas dão suporte, estrutura e contribuem na manutenção do racismo.
“Esse caso é o reflexo de um país racista que tem grande de dificuldade em assumir isso e tentar mudar. A minha escolha é não passar calado por isso tudo”
Henrique MalufA rede de supermercados Carrefour já teve outros casos absurdos e desumanos, como por exemplo um funcionário que faleceu numa das lojas de um ataque cardíaco fulminante, a loja não fechou em momento algum e, literalmente, escondeu o corpo com caixas e tapumes até que chegasse a equipe do IML. Outro caso que teve muita repercussão foi da cadela “Manchinha” que foi morta com veneno e golpeada com uma barra de ferro. Ambos casos tiveram o foco da mídia nacional e internacional. Infelizmente já é costumeiro atos de racismo na rede, em grande maioria acompanhados de agressões psicológicas, morais e físicas, como nos casos de Osasco, São Bernardo do Campo, Rio de Janeiro, Sorocaba e outros.
João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos que discutiu e gritou com uma funcionária em uma unidade Carrefour de Porto Alegre, resultado: espancado até a morte por dois seguranças brancos do mercado, o dia era 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra. O caso gerou uma série de protestos pelo Brasil algumas pacíficas e outras não, houve unidades depredadas e queimadas, mas nada comparado com o caso George Floyd nos Estados Unidos.
Esse caso é o reflexo de um país racista que tem grande de dificuldade em assumir isso e tentar mudar. A minha escolha é não passar calado por isso tudo. Retomando o meu lugar de fala e privilégios, não é facil assumi-los, mas partindo deles entendo que consigo amplificar e trazer a fala de pessoas que sofrem o racismo.
Sou artista, influencer, professor, colunista desse espaço incrível, a minha voz chega a muitos lugares que outras pessoas não alcançariam, principalmente se forem negras, pobre e periféricas, eu escolho dizer que o racismo mata e que sua indeferença contribue para isso. Eu escolho lamentar pelas vidas negras do que o prejuízo do Carrefour ou de qualquer outra empresa que não tenha medidas e ações que visem diminuir o impacto dos danos do racismo à sociedade. Eu escolho lutar pra que as vozes emudecidas sejam desamordaçadas e espalhem seu grito de igualdade para todos.
Racismo não se discute, se combate!
Henrique Maluf é formado em Música pela UFMT, produtor cultural, pesquisador de cultura regional e arte educador. Escreve nesta coluna com exclusividade às terças. E-mail: herojama@gmail.com