Arte e Cultura
Sábado, 05 de Outubro de 2019, 12h:06 | Atualizado: 07/10/2019, 08h:21
Exilado na ditadura, artista foi visitado por ex-presidente e Dominguinhos veja vídeo
Mirella Duarte
Quando foi capturado, após uma pintura de um coronel todo florido, mas usando fio dental, não nega que foi atrevido de forma proposital. Ele ficou sabendo de uma emboscada, mas antes que o pegassem, se entregou.
Rodinei Crescêncio

Em entrevista, Amâncio se emociona ao lembrar do passado e diz que Cuiabá o acolheu após ter viajado pelo mundo, o ateliê dele fica na Barão de Melgaço
Amâncio tem mesmo uma expressão serena, mansinha, como o nome sugere – mas a alma é inquieta. Antes do período que passou pela Europa, o baiano Amâncio Ribeiro, hoje com seus 69 anos, passou, em sua juventude, antes de ser expulso pelos militares, pelo Rio de Janeiro e Salvador, mas sempre se mudava de cidade e se escondia em outras Capitais.
Rodinei Crescêncio

Busto de diversas personalidades fazem parte das criações de Amâncio - ele não revela fórmulas da massa
Quando foi para a Espanha, primeiro país que residiu depois do Brasil durante o Regime Militar, se aprofundou ainda mais nas artes plásticas.
Questionado se prefere o desenho, a pintura ou fazer as estatuetas gigantes, ele não sabe responder. “Vai da inspiração. Às vezes estou aqui trabalhando neste relógio. Largo, vou para um quadro. Se vejo teu rosto e imagino numa tela, outra hora, quando você voltar – vai estar pintada lá”, descreve a rotina.
Na Espanha, ele se casou e teve dois filhos. E, neste meio tempo, teve saudade de sua terra de origem. Voltou à Europa e, após o divórcio, decidiu que queria voltar para o Brasil. Comprou um carro por meio da Mercosul e voltou, mas não para a Bahia e sim para onde seu coração o levasse.
Correu até estacionar
Em 1999, após o fim do militarismo, o artista plástico, que é natural de Itabuna (BA), deu a volta ao Brasil. Após atravessar a estrada, quase na virada do século, encontrou um galpão na pequena cidade do Centro-Oeste do Brasil.
Cuiabá, segundo suas descrições, ainda era terra de pistoleiros – muito coronelismo e talvez não fosse tão segura para um antigo exilado residir. No entanto, teimoso, resolveu contrariar os familiares e ficar. Até hoje está no mesmo lugar.
Na avenida Barão de Melgaço, meio a uma reforma, muitos livros, estátuas com mais de quatro metros de altura e cimento que não para de chegar – toda hora, um auxiliar deposita nos pés das estatuetas gigantes, mais cimento que Amâncio, prestes a completar sete décadas de vida, conta ter um segredo na mistura.
É ali seu ateliê. Não é só cimento que faz suas notáveis estátuas, mas o artista também não revela o segredo.
Rodinei Crescêncio

Culturas diversas viram retratos em representações que habitam na ponta do pincel de Amâncio. As lembranças das fugas do Regime Militar o assombram
Suas esculturas chegam a ter mais de 12 metros. E, quando questionado sobre os pés gigantes na porta de seu ateliê há mais de uma década, ele responde: “é do exército, foi paga e eles não me devem nada – parei porque pediram para parar, são os pés de Cândido Mariano Rondon que me encomendaram”, lembra.
Rodinei Crescêncio

Com orgulho, ele exibe dedicatória em boné costurado em couro de cabra que ganhou carinhosamente de Dominguinhos, quando o músico o visitou em MT
Ao lado das pernas inacabadas de Rondon, tem um santo e também, em construção, Napoleão Bonaparte – encomenda da Embaixada da França que, após ficar pronta, será enviada para o estrangeiro.
Personalidades amigas
Rodinei Crescêncio

Para finalizar a entrevista, ele repousa o boné em sua cabeça e mostra olhos, ainda cheios de emoção para fotografar
Já na Capital, o artista foi convidado para fazer a abertura de uma exposição com Yoko Ono, em Brasília.
Além dela, o artista diz ter recebido o carinho do ex-presidente Lula e de cantores, alguns também exilados, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Alceu Valença e Dominguinhos.
Em uma de suas fotos, ele mostra Alceu, ao seu lado, em uma roda de violão em um sítio.
Pede para a reportagem aguardar um minuto, entra em outro cômodo e volta com um boné todo trançado, feito de couro de cabra. "Este aqui Dominguinhos não tirava da cabeça por nada, era o que todo mundo dizia. Foi em uma de nossas conversas que ele tirou e escreveu estes dizeres para mim", conta.
Emocionado, os olhos avermelharam, chorou de emoção. Depois de uns minutos, posa para a foto, feliz com a lembrança: "já passou", completa. O acessório foi entregue a ele em uma das visitas de Dominguinhos à Capital no seu ateliê.
Simpático, convida a equipe para seu aniversário, 11 de outubro, dia que completa sete décadas de histórias, talento e muita emoção.
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Comentários (2)
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Nilton Ferreira | Segunda-Feira, 14 de Outubro de 2019, 13h0800
sempre desejei entender aquelas botas em frente a esse estabelecimento e agora explicado muito legal a reportagem pena que curta parabéns
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Moreira | Domingo, 06 de Outubro de 2019, 07h4913
Devia ser vagabundo maconheiro para ter os militares no pé. Coisa boa não era.
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