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Quinta-Feira, 22 de Fevereiro de 2007, 09h:59 | Atualizado: 26/12/2010, 12h:15
Jeca Tatu
O economista Roberto Troster comenta, em artigo na Folha de S. Paulo desta quinta (22), que o Brasil vive uma obsolescência. 'Evolui-se aqui, mas a uma velocidade menor que no resto do mundo', comenta. Confira o artigo abaixo.
JECA TATU é um conto inspirador de Monteiro Lobato, é um exemplo emblemático de superação da estagnação. Teve uma tiragem da ordem de 20 milhões de exemplares e há relatos de que modificou a vida de muitos. É verossímil fazer um paralelo entre a história e o Brasil de hoje.
O personagem era dono de um sítio no interior. Possuía os recursos para uma vida com fartura, mas não os aproveitava. Tirava apenas para seu sustento, a sua produção era bem aquém de seu potencial. Contrastando, seu vizinho, um italiano, produzia em abundância e melhorava seu padrão de vida a cada ano que passava.
Nas últimas décadas, o Brasil, país do Jeca Tatu, teve um desempenho bem aquém de seu potencial e abaixo da média dos demais países emergentes. Possui os recursos: gente, capacidade de produzir, riquezas naturais e acesso a mercados, mas não usufrui de todo seu potencial.
Um doutor diagnosticou o problema do caipira, a anquilostomíase. Popularmente conhecida como "amarelão", é causada pelo bicho do pé. Após convencê-lo da causa de seus males, com prescrição da adoção do uso de botinas e de tomar o remédio receitado, curou-o. Jeca Tatu deu a volta por cima. Mudou tanto que deixou o doutor fascinado, tamanha a mudança, e espantou até o vizinho italiano, que, admirado, admitia nunca ter visto um sítio produzindo tanta abastança. O Brasil é capaz de fazer o mesmo.
O "amarelão" do Brasil chama-se obsolescência. Evolui-se aqui, mas a uma velocidade menor que no resto do mundo. O país não se adapta à velocidade necessária. Há medo de mudanças. Com isso, a defasagem aumenta a cada dia que passa.
A obsolescência é dissonante com uma característica típica do país: a ginga, o jogo de cintura dos brasileiros. Não surpreende a ninguém o desempenho espetacular nesse quesito.
Em concursos de publicidade, em soluções empresariais, em novos produtos e em adaptações a situações difíceis, o Brasil é campeão, não tem rivais. Mas justamente a característica mais forte é a menos utilizada para promover o crescimento.
Pelo contrário, o rebolado tupiniquim é abafado pelo medo à mudança. Num mundo em transformação, a uma velocidade cada vez mais rápida, a obsolescência é a regra aqui. Ilustrando o ponto, no ranking de competitividade do Fórum Econômico Global, o Brasil está caindo de posições, porque os demais países se adaptam mais rapidamente às mutações no ambiente empresarial. Os avanços são mais lentos aqui. É triste, é como ver um aluno talentoso e aplicado ser reprovado. É inadmissível.
Outro exemplo é o da legislação trabalhista. É da década de 1930, quando o país era predominantemente agrícola, não foi adaptada aos novos tempos. O resultado é que o número de trabalhadores sem carteira assinada cresce cada vez mais e, conseqüentemente, eles não usufruem de seus benefícios. Atualmente, mais da metade não tem registro, e há, no Brasil, mais de dois milhões de ações trabalhistas por ano. Além de ser um recorde mundial, é um desperdício de milhões de horas de advogados talentosos por conta de uma legislação obsoleta e um estorvo para empresários que querem fazer acontecer.
Insiste-se em fórmulas superadas em vez de focar em economizar e melhorar a qualidade das despesas do governo. O plano de política econômica anunciado, o PAC, é mais do mesmo: gastar mais para crescer. O resultado vai ser igual, um desempenho pífio.
Na América Latina, Brasil é o que tem o maior déficit fiscal. Não é coincidência que, por isso, está entre os que têm a maior dívida pública, a taxa de juros mais alta, os impostos mais elevados e o crescimento mais baixo. É fruto de continuar usando o mesmo receituário dos anos 1950.
Os discursos sobre as grandes obras estão em contradição com a realidade, que exige educação e condições para produzir -leia-se reduzir a burocracia, diminuir a tributação e melhorar a infra-estrutura legal, enfim, uma adaptação das condições produtivas brasileiras ao século 21. Condições materiais, vontade de trabalhar e capacidade de se adaptar sobram.
Com isso, trabalhadores e empresários farão acontecer da mesma forma que o Jeca Tatu ao se livrar do "amarelão". O país não pode continuar emperrado por decisões tomadas no passado, é anacrônico. A realidade é outra: o mundo mudou, e a ordem do dia é atualizar políticas, instituições, regras, privilégios e obrigações. Soltando travas do passado, o Brasil do futuro virará o Brasil do presente.
ROBERTO LUIS TROSTER , 56, economista, é doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) de 2001 a 2006.
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