MÁQUINA DO CRIME
Terça-Feira, 22 de Dezembro de 2020, 07h:52 | Atualizado: 22/12/2020, 12h:00
CV fatura com "camisa", propina, golpes, tráfico e ainda enterra dinheiro - vídeo
Bárbara Sá
O pagamento de “camisa”, título dado a mensalidades pagas pelos filiados do Comando Vermelho, chega a movimentar por ano R$ 1,2 milhão em Mato Grosso. Isso fora a mensalidade que cada detento de dentro da cadeia também repassa mensalmente. Contudo, este não é o carro-chefe das fontes financeiras ilícitas da facção. Dados do Ministério Público Estadual apontam que a arrecadação do CV vem também do recolhimento de mensalidades de empresas e empresários que recebem em troca serviço segurança e ainda de mensalidades exigidas dos responsáveis por bocas de fumo em todo o Estado.
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Além disso, os golpes aplicados por telefone têm injetado milhões nas contas do grupo, fazendo com que o sistema prisional se torne “um verdadeiro home office da organização criminosa” e uma espécie de agência reguladora do crime.
O tráfico de drogas é outra fonte de renda, mas não é possível mensurar quantos milhões o CV movimenta neste ramo e nem com o “trabalho de segurança”, uma vez que a lavagem de dinheiro do grupo ainda é bem precária, considerada até embrionária. A facção ainda enterra dinheiro e mantém a contabilidade em papeis, como já apontaram operações deflagradas tanto pela Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes (DRE) quanto pela própria Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO).
Dayanne Dallicani

O grupo atua de forma diferente nas cidades do Estado, mas a lógica chega a ser simples. Para traficar, é necessário criar uma rede de crimes. Isso vai desde furtos e roubos de carros, celulares até a contratação de jovens interessados em ganhar dinheiro rápido.
“Quando as rotas estão devidamente estabelecidas, é fácil utilizá-las para contrabandear de tudo o que dê lucro, drogas, roupas, eletrônicos, remédios, anabolizantes e até agrotóxicos”, explica uma fonte.
Esse lucro serve para comprar armas, que auxilia e estrutura o transporte de drogas em todo Mato Grosso.
O ouviu fontes da Polícia Federal que explicou que o tráfico de drogas da fronteira de Mato Grosso é do Comando Vermelho, contudo a facção não usa o espaço aéreo e os entorpecentes do CV vêm sempre por terra.
“Eles não são tão organizados para terem aviões. As drogas pelo ar são de pessoas sem vínculo a grupo algum. Em regra, são transportadores com destino a SP, RJ e Europa. A do CV é mais para consumo interno”, explica.
Entenda como funciona
Para entender o esquema financeiro deste grupo o desmembrou as três fontes financeiras ilícitas do grupo, utilizadas para sustentar uma vasta rede que possibilita o aquecimento do crime em Mato Grosso. O tráfico de drogas é a principal fonte de renda da facção.
Dayanne Dallicani

Para uma boca de fumo "funcionar", ela precisa da autorização do CV. Toda a droga vendida, seja pasta base de cocaína, cocaína, maconha e outros "produtos" devem sempre ser compradas da própria facção. Quem desrespeitar essa lei é punido como manda o estatuto.
A droga comprada pelo grupo em sua maioria vem da Bolívia e pelo menos 75% dela entra por Pontes e Lacerda (a 480 de km Cuiabá).
Com a droga em mãos, o filiado tem que repassar ao grupo R$ 25 por grama que ele vende. O recolhimento dos valores é feito por rua de cada bairro. Para isso, existe um “disciplina” responsável por recolher o pagamento da regulação dessas biqueira ou lojinhas.
Como mostra um diálogo entre presos, interceptado durante a operação Red Money.
Dayanne Dallicani

Mensalidade
A segunda fonte de renda, que mantém o funcionamento do grupo, são as mensalidades, chamadas de "camisas". São pagas por todos os integrantes, isso inclui os presos em todas a cadeias de Mato Grosso. O montante recolhido chega a mais de um milhão por ano. Cada integrante tem que pagar R$ 100 mensalmente. O valor serve para pagar advogados, quando o preso não tem dinheiro, para manter o bem-estar da família do detento do lado de fora e para ações nos bairros, as filantropias.
Quando um membro deixa de pagar, perde direitos na facção. Um exemplo é, se vai preso, perde regalias no convívio com os demais, a família fica sem ajuda financeira e sofre um “salve”.
Dayanne Dallicani

A terceira fonte são as taxas de segurança cobradas de empresas e empresários. Os valores variam por bairro e comércio. Contudo, o CV dá autonomia para que cada "disciplina", que é o cobrador, decida o quanto cobrar. Em média, os valores variam de R$ 50 a 200 por mês. Quando um empresário aceita esse tipo de negócio ele tem a garantia do Comando Vermelho que nenhum membro vai invadir ou roubar o local.
Essa prática nos comércios locais é uma modalidade de segurança antiga, segundo uma interceptação do Edimilson Filho Alves da Silva, de 23 anos, o “Pamonha”, morto em 2018 em Rondonópolis (a 218 km de Cuiabá). Eles cadastram os comércios e empresário que aceitam ser "protegidos". Na sequência, adesivam os estabelecimentos, tiram fotos e armazenam em um pendrive e passam recolhendo os valores entre o dia 1 até o dia 9 de cada mês. "Se chegar no dia do pagamento e o cara não pagar, eles passam recolhendo os adesivos e o local fica desprotegido", relata uma fonte.
O professor da UFMT, Naldson Ramos, doutor em sociologia com foco em violência policial, destaca que toda essa evolução na facção se deu após a rota de tráfico em Mato Grosso se tornar interessante. “Isso também do ponto de vista do mercado consumidor. Pois é aqui que eles se estruturam e se organizam, como sempre fazem a partir das periferias e de dentro dos presídios. As direções dessas facções estão dentro dos presídios. Claro que tem um ou outro que já cumpriu sua pena e está fora, trabalhando também, mas sempre foi dentro da estrutura do presídio que se origina e originou o comando de poder dessas facções, no caso de MT o CV”, pontua.
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