O GUARDIÃO DOS ANCESTRAIS
Sábado, 22 de Junho de 2019, 06h:13 | Atualizado: 23/06/2019, 07h:59
Médium relata cirurgia espiritual feita em seu corpo e tesouro amaldiçoado - fotos
Vinícius Bruno - Fotografia: José Medeiros
Enviados especiais à comunidade Mata Cavalo
Entre histórias místicas e rituais que interligam o mundo físico e o espiritual, Nezinho é um dos poucos remanescentes quilombolas que ainda conserva um estilo de vida austero, sofrido, mas que atrai o respeito pela sua força espiritual.
José Medeiros

Guia espiritual Nezinho atrai respeito pela forma simples como vive. Região é permeada por misticismo e histórias sobrenaturais como a sobre um tesouro
Passar um dia em seu sítio São Benedito, no quilombo Mata Cavalo de Cima, na zona rural de Nossa Senhora do Livramento, é a oportunidade para se deparar com histórias que parecem ter sido retiradas de livros de ficção, mas que são a realidade para um povo.
José Medeiros

Guias usadas por Nezinho são colares que representam força das entidades que incorpora
Neste contexto, o conheceu Bartolomeu*, 64 anos, que frequenta o terreiro de Nezinho há 10 anos. O senhor, aposentado e pecuarista, mora em uma fazenda distante 35 km do quilombo Mata Cavalo. Sua casa tem pelo menos 200 anos de história e, além da família do produtor rural, também é habitada por espíritos de negros escravizados e pelo antigo dono, Manoel.
Manoel, segundo Nezinho, foi irmão de Marechal Rondon. Bartolomeu, que já foi dirigente de terreiro, está em um processo de negociação com o espírito. Em jogo, estão sete gafarrões cheios de ouro que foram enterrados dentro da casa. No local, também teriam ocorrido mortes trágicas, como a de sete escravos subterrados em um túnel. Para complementar ainda mais o cenário de suspense, o próprio Manoel, estaria enterrado dentro da casa.
Vários acontecimentos sobrenaturais já teriam acontecido no casarão. Antes, sem saber do que se tratavam as manifestações paranormais, Bartolomeu sequer conseguia dormir dentro de casa. A noite, quando fechava a porta do antigo casarão para dormir, logo era surpreendido com a porta que se abria.
Nezinho já foi ao local e recebeu autorização para ajudar os espíritos aprisionados na casa. Outros videntes e religiosos também foram ao casarão, mas não conseguiram resolver a situação. O pai de santo afirma que outro sacerdote de umbanda chegou a ir na residência e morreu, porque os espíritos não permitiram tocar nos tesouros.
José Medeiros

José Medeiros

Nezinho relata também cirurgia espiritual, feita pela Vovó Catarina, que reestabeleceu o movimento de suas pernas. Pai de santo é figura icônica na região
Depois de uma série de rituais e negociações, Bartolomeu agora já consegue dormir na própria casa sem ser perturbado. A assiduidade no terreiro também passou a fazer parte da rotina do pecuarista. “Frequento porque a gente tem que frequentar. Quem tem guias precisa de cuidados. Não incorporo, mas vejo e converso com os guias. Tenho colhido muitos benefícios, para mim é muito bom. O que eu dependo deles eu venho aqui, qualquer dúvida eu também venho e pergunto como posso fazer o não”, pondera.
“Quem tem guias precisa de cuidados. Não incorporo, mas vejo e converso com os guias”
BartolomeuNezinho também relata outros momentos místicos que viveu. O mais marcante foi uma cirurgia espiritual realizada pela sua guia Vovó Catarina, que teria sido em vida, a mãe de São Benedito.
O quilombola sofreu há cinco anos um câncer na coluna. A doença foi tão agressiva que o impediu de andar, e teve que passar a viver em uma cadeira de rodas. Certo dia, Vovó Catarina pediu ao médium que preparasse 27 espinhos de laranjeira em um recipiente com banha de arraia. Enquanto estava sozinho no quarto, deitado na cama, a preta-velha realizou a operação espiritual.
Nezinho diz que sentia os espinhos sendo enfiados em sua coluna. Logo que acabou transpirava muito e sentia o forte cheiro da banha de arraia. “Me deu muita vontade de andar”. O pai de santo, então conseguiu ficar em pé e a dar alguns passos.
Hoje, quem vê Nezinho fazendo seus afazeres na roça ou em casa, não imagina que um dia já esteve impossibilitado de andar ou que ficou sobre um leito de uma cama, ao ponto de suas costas terem escaras que, segundo ele relata, criaram até bicho.
Milagres, histórias, fé, gratidão e compromisso. Nezinho carrega consigo o simbolismo do sagrado. Aos que não acreditam, podem encontrar no solitário pai de santo a figura de um amigo. Já os que acreditam, levam consigo seus preciosos ensinamentos e encontram um verdadeiro guardião dos ancestrais.
José Medeiros

José Medeiros

José Medeiros

Pai de santo vive no Quilombo Mata Cavalo e enfrenta preconceitos, ameaças e desafios. Sua vida simples chama a atenção de quem conhece a sua história
Postar um novo comentário
Comentários
-
Comente esta notícia
Confira também:
- Junho de 2019
-
RD EXCLUSIVO / O GUARDIÃO DOS ANCESTRAIS / Ritual
Quilombo faz vassouras com "axé" para lavar escadaria da São Benedito - entenda
-
RD EXCLUSIVO / O GUARDIÃO DOS ANCESTRAIS
Quilombola, gay e pai de santo, Nezinho mantém a força dos antepassados - fotos
-
RD EXCLUSIVO / O GUARDIÃO DOS ANCESTRAIS
Bisneto de escravos mantém terreiro de pau a pique e rejeita políticos - conheça
-
RD EXCLUSIVO / O GUARDIÃO DOS ANCESTRAIS
Em meio à plantação de arroz, pai de santo canta músicas sagradas - assista
-
RD EXCLUSIVO / O GUARDIÃO DOS ANCESTRAIS / Mata Cavalo
RD Exclusivo traz série "O Guardião dos Ancestrais" a partir desta sexta - vídeo