EXPEDIÇÃO 300
Quinta-Feira, 27 de Fevereiro de 2020, 08h:13 | Atualizado: 29/02/2020, 10h:35
Modista tradicional e primeiro a desfilar nu no Carnaval conta memórias - fotos
Mirella Duarte - Fotografia: José Medeiros
Quem observa todas as cores durante o carnaval na avenida, tecidos, lantejoulas de diversos formatos e tamanhos, talvez nem imagine que tempos atrás, quase meio século, era bem mais difícil ter resultados tão bonitos. Era tudo mais demorado e artesanal. Por isso, mais do que um carnaval, a alta costura também era questão de status.
José Medeiros

Mãos são firmes para passar linha na agulha e dar pontos certeiros nas roupas que ainda confecciona. Ele revela que o prazer de costurar continua intacto
Um dos pioneiros no universo “fashionista” em Mato Grosso foi José Corrêa de Paula, 67 anos, que também é conhecido como Zé de Paula. Além de fantasias magníficas para o carnaval, ele foi o responsável pela criação de peças tradicionais como as de siriri e cururu. Outrora, roupas de requinte vestidas pelos socialites e lojas de renome como a Casa Alberto, como menciona com orgulho.
José Medeiros

Com idade avançada, mas bastante ativo, Zé lembra de carnaval que desfilou seminu e chocou a avenida. Na época, usar um tapa sexo ainda era polêmico
Retratado pelas lentes do fotografo José Medeiros, no projeto Expedição 300 - O Rio das Lontras Brilhantes, e apesar das mãos franzidas, a lontra conta que se interessa por costura desde a infância – enquanto era encantado pelos tecidos “maravilhosos” que avistava por onde passava, ao imaginar um mundo de possibilidades.
José Medeiros

Roupas de siriri e cururu receberam inovação através de estudos de modista, algumas mais longas e outras mais curtas, porém todas bastante coloridas
Nascido na Major Gama, rua próxima a 13 de Junho, houve um período que Zé mudou-se de cidade e foi para Belém (PA). Por lá, estudou em uma faculdade de Agronomia. Com isso, voltou para Cuiabá em 1968, já anestesiado pela ideia de costurar também como paixão e profissão paralela.
José Medeiros

Detalhes antigamente eram feitos pouco a pouco, sejam as costuras, bordados, babados, diferentes dos que já chegam prontos hoje em dia e facilitam tudo
Foi por isso que, só depois dos 20, que ele realmente se dedicou mais à profissão, mas ainda dividia seu tempo com a agronomia – trabalho que hoje é aposentado, mas também atuou por um longo período em sua vida. Era ele quem também pensava e fabricava as próprias fantasias.
Se recorda que os carnavais, em outra época, eram mais tradicionais e, para ele, carnaval sempre foi muito mais que um momento de festejar, mas do que romper barreiras. Em Cuiabá, no fim dos anos 70, foi um dos primeiros a exibir o corpo quase que por completo, se não fosse um tapa sexo. Era o ano de 1979 e o tema enredo a “Visita do Rei do Maracatu ao Reino de Nagô”.
José Medeiros

Ateliê é mistura de cores e criatividade para Zé de Paula, costureiro há 45 anos, e hoje aos 67 diz que não é nostalgico - pois passado já se foi e não volta
Capa de todos os jornais na época, sua fantasia era de Oxumaré, que levava também um arco-íris na cabeça e uma serpente. “Foi um escândalo”, diz, sem tom de arrependimento, à reportagem. Sua pesquisa foi profunda e visitou cerca de 27 casas de candomblés na Capital. “Naquela época era diferente costurar, era muito mais gostoso. Fazíamos cola com polvilho e trigo. Não tinha tecido pronto, babado, bordado, tínhamos que fazer tudo e a cada resultado obtido, era mérito nosso”, pensa. Suas inspirações são diversas, mas a natureza é a maior delas. Como o céu colorido, a fauna e a flora de Mato Grosso.
José Medeiros

Com inspirações no céu, fauna e flora do Cerrado, cores sempre estão presentes na sua vida, reflexões são constantes e fazem que ele melhore na prática
Quando questionado se sente saudade do tempo que passou, nega a nostalgia. "Enquanto viver, aproveito o tempo presente. Foi bom, mas o que passou, passou", finaliza.
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Comentários (2)
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Gloria Albues | Sábado, 29 de Fevereiro de 2020, 12h5630
JOSÉ DE PAULA, deve ter o seu nome escrito sempre com letras maíusculas tal a importância de sua contribuição para o carnaval cuiabano. Artista de rara sensibilidade estética, soube imprimir como ninguém, originalidade, criatividade, beleza e elegância em seus adereços, fantasias e alegorias. Mas não fica só aí a sua ímpar contribuição. ZÉ DE PAULA, (como é mais conhecido) dedicou o seu talento também à criação de figurinos e cenários teatrais nos palcos cuiabanos. Estivemos juntos no espetáculo "Rio Abaixo, Rio Acima ou Ergue o môcho e vamos palestrar" e o seu profundo conhecimento de cultura popular tão bem traduzido no seu trabalho cenográfico, foi um dos elementos decisivos para a calorosa acolhida do público e da crítica especializada em todos os lugares do país onde a peça se apresentou. GRATIDÃO, querido amigo e parceiro, ZÉ DE PAULA.
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vladimir palma | Sexta-Feira, 28 de Fevereiro de 2020, 14h24101
esse e um dos ícones da nossa cultura de cuiabá, mt e brasil. conheço o trabalho e a dedicação sempre atuando pelo melhor da nossa cultura.
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